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O muro



Certa vez, indagado por meus pais sobre o que eu queria ser, prontamente respondi: “Eu quero ser lixeiro!” Acho que não preciso comentar a bronca que eu levei.

Há alguns dias atrás fui de carro atrás de um caminhão de lixo até o centro da cidade, sem conseguir ultrapassá-lo. Mas só quis fazê-lo no início, depois perdi a vontade. Parece que meus pais não entendem nada mesmo.

Passei a apreciar a alegria dos três lixeiros que ali estavam em solavancos, rindo e brincando entre as saídas para pegar os sacos de lixo. Recordei que sempre foi assim, desde os meus seis anos, a imagem que o lixeiro de minha cidade me passa é a imagem de alguém feliz com o que faz.

Não venho aqui dizer que a vida é bela e tudo é lindo, porém se eu estivesse dentro de um barraco, desempregado, invisível, no alto de um morro e sem dois reais para dar uma volta pela cidade de ônibus, um emprego de lixeiro iria me trazer tudo que precisava naquele momento: movimento, algum status, e a aproximação com um mundo que insistem em dizer que não me pertence. Entendam o que eu estou dizendo: A roupa de lixeiro me possibilitaria de conversar com “alguém do asfalto” sobre o tempo ou simplesmente pedir um copo de água, coisas muito difíceis para um excluído social.

Muitos não sentem prazer nenhum em dar uma volta de carro pela cidade. Muitos moleques dariam a vida por isso. A infelicidade normalmente decorre de metas não alcançadas. Por isso tomo muito cuidado com meus desejos. E qualquer dignidade é dignidade pra quem nunca teve nenhuma.

Somos muito desinformados sobre nossas comunidades. E fazemos questão de continuar assim. Fechamos nossos olhos para tudo que é feio e nos incomoda.
Qualquer europeu sabe mais sobre nossas mazelas sociais do que nós. Os brasileiros herdaram de sua cultura escravocrata o hábito de desprezar e humilhar pessoas que fazem serviços considerados menos nobres. E mais ainda aqueles que nunca tiveram uma chance sequer.

A miséria é um problema social. O lixo também. E o lixeiro, com sua alegria, é a solução!

Comentários

Cris Machado disse…
O problema da nossa sociedade é valorizar somente o que é belo, traz status ou simplesmente é de acordo com algum padrão. O mais dificíl é amar o feio e dar valor àqueles que realmente o tem, sem nada em troca.

Gosto muito das suas posições sobre este assunto.
Keila Costa disse…
São tantos muros...e nós, invevitavelmente, em um dos lados, muitas vezes, desatentos, arrogantes, como se não fizéssemos parte daquilo que também nos interessa...queiramos ou não...Não é uma escolha...mas uma contigência no bom sentido...o saber sobre o outro...no olhar e no pular dos muros...
Beijo, Keila
Anônimo disse…
Tenho um primo que também queria ser lixeiro quando era pequeno, :)
Lilous disse…
Mas é sempre assim.
Tapar o nariz e não sentir o cheiro, desviar o olho e os pés do cara dormindo na calçada, levantar o vidro do carro na cara do menino que faz malabarismo no sinal. O clichê "o que os olhos não vêem o coração não sente" é bem verdadeiro pra mais coisas do que a gente imagina.
Bem, a coincidência que eu eu tô há meses arquitetando mentalmente um
texto sobre gairs, e hoje caí aqui através do Lango. hahaha
Lilous disse…
ops, GARIS.
Pat disse…
É ter a consciência: O que "eu", de verdade, faço atualmente para melhorar o mundo a minha volta?

Se não puder fazer muito, faça um pouco, mas com amor e dedicação.
Altavolt disse…
É, caro Rodrigo, atualmente moro aqui na região central de Sampa (Já morei na periferia da zona leste por quase vinte anos) e tenho que conviver com atitudes grotescas dos motoristas, "cidadãos" de classe média, que metem a mão na buzina sem dó nem piedade, para que os lixeiros saiam logo da frente e desobstruam o sagrado caminho dessa raça de folgados, sempre tão apressados. Sempre tenho muita raiva dessa atitude individualista e mesquinha, de quem não respeita o nobre trabalho dos lixeiros. Por várias vezes, pensei em lançar ovos sobre alguns capôs dos carros, mas ovo está caro. Tais imbecis não merecem essa deferência. No Brasil, a classe
mé(r)dia tem muita dificuldade para conviver com os excluídos e com os mais simples. Um lixeiro, um carteiro, um frentista, não são sequer notados por muitos babacas. Esses trouxas deveriam saber que pobreza não pega e que muitas pessoas humildes são muito mais dignas do que eles! Abraço! Se me permite, acho que vou favoritá-lo em meu humilde espaço, ok?

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